segunda-feira, 1 de março de 2010

A Polícia na Sociedade (Parte II - Cap. 1)


PARTE II - PORTUGAL

1 - Evolução das polícias

Nas sociedades medievais a ordem pública e o respeito eram impostas por pressão social que obrigava o indivíduo a acatar um conjunto de regras aceites implicitamente por todos, por temor a Deus mais que dos homens. Essas regras impostas por tradição obstavam, também, que se cometessem determinados actos tanto do foro civil como do religioso.
A função de todo o governante secular na Idade média era normalmente definido pela fórmula corrente Pax et Justitia. Se a justiça reinava, havia paz; se a paz existia, era sinal que reinava a justiça (Kantorowiez, citado por Martim de Albuquerque e Ruy de Albuquerque, ob. cit. p.324 - Livro da ESP.
Estátua de D. Afonso Henriques
Trata-se da mais antiga figuração iconográfica do nosso primeiro rei, procedente da Igreja de Santa Maria da Alcáçova de Santarém. Actualmente encontra-se no Museu do Carmo em Lisboa.
(Livro: Reis e Rainhas de Portugal. Autor: Manuel de Sousa - Prefácio de Dom Duarte de Bragança)


Assim sendo, os nossos primeiros monarcas começaram desde logo a outorgar forais às diversas localidades e neles estipulavam os direitos e deveres dos seus moradores, passando, por isso, a serem conhecidas as regras pelas quais se deveriam reger.
A manutenção da ordem era da competência dos alcaid
es que, por vezes, delegavam nos alcaides pequenos, a quem incumbia prender os delinquentes.
Estes alcaides tinham à sua ordem os home
ns jurados que lhe eram dados pelos Oficiais dos Concelhos; as armas eram-lhe fornecidas pelo armazém régio e os salários eram pagos pelos alcaides-mores.

Lisboa - "O Rocio" - Antes do Terramoto de 1755

A Cidade de Lisboa

Lisboa é, seguramente, uma das mais antigas cidades europeias e, quiçá, mais misteriosa. A origem do seu povoamento recua até à Pré-História. A antiguidade da nossa Lisboa é mais remota do que a lenda da sua fundação por Ulisses, o mítico herói. As muitas lendas terão contribuído também
para a ocultação da clareza dos dados históricos propriamente ditos. Diz-se que a realidade mais flagrante foi no período de domínio árabe (714 a 1147), devido à escassez de fontes escritas em que se somou o desaparecimento dos manuscritos árabes de que foi principal responsável a Igreja Católica, através da Inquisição.
Também se diz que a fundação de Lisboa, atribuída pelos antigos e heróis fabulosos convenientes à explicação etimológica do seu nome (Ulisses, Lisa e Elixa), deve com maiores probabilidades de acertar atribuir-se aos Fenícios. À vetusta colónia fenícia «Alis ubbo - enseada amena», que ocuparia o monte do Castelo de S. Jorge, no alto e na vertente S., outros colonizadores se sucederam, vindo a p
ovoação a ser ocupada no ano 205 a. C. pelos Romanos, que a elevaram depois à categoria invejada de município romano com o nome de «Felicitas Julia» que subsistiu com a designação latina de «Olissipo ou Olissipona». O burgo romano ocupava, da mesma forma que a póvoa fenícia, o alto e vertente S. do monte que então ficava a cavaleiro de um braço do Tejo, cujas águas alagavam toda a Baixa actual, abraçando o Monte de Santana e seguindo pelos talvegues da Baixa de Valverde e da Mouraria. Sobre o esteiro escarpavam-se pelo S. o monte Fragoso e a Pedreira (S. Francisco e Carmo) em declives rápidos, tais como hoje os outeiros da Outra Banda. A povoação romana fortificada pelo povo-rei possuía, além dos muros que a cercavam no Monte, algumas torres soladas atalaiando a cidade, uma das quais devia assentar onde hoje se ergue a torre de S. Lourenço, na Costa do Castelo, e outra, mergulhada no estuário da Baixa, onde se cruza a R. dos Retroseiros com a dos Sapateiros. O aspecto do sítio dessa povoação ancestral de Lisboa era pois muito diferente.
Lisboa estava ligada com «Emerita Augusta (Mérida) por t
rês estradas militares que constam do Itinerário de Antonino (Roteiro de Lisboa - Editorial Domingos Barreira).


Praça do Comércio, ou Terreiro do Paço, antes do terramoto, Santa Luzia

Livro: Portugal "Guia American Express"

Arrasado pelo terramoto de 1755, o centro da cidade de Lisboa (a Baixa), é quase todo do século XVIII, com ruas cuidadosamente planeadas. Nas colinas de cada lado do centro, as estreitas ruas de Alfama e do Bairro Alto tornam a cidade mais intimista. Desde a construção da Ponte 25 de Abril, nos anos 60, a cidade expandiu-se para a outra Banda. É um porto importante desde os seus tempos de glória, na época dos descobrimentos. Hoje, as docas mudaram de local, mas, em Belém, os grandes monumentos desta zona testemunham o passado marítimo da cidade.

A Baixa Lisboeta

A Lisboa moderna tem muitas recordações do terramoto. O inovador plano de Pombal é bem visível nesta fotografia da Baixa. Levou vários anos a construir e o Arco da Rua Augusta só ficou pronto um século depois, em 1873.

Arco da Rua Augusta, construído em 1873

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Os principais crimes graves de que há menção de castigo, foram sucessivamente definidos por D. Afonso III, D. Dinis, D. Pedro e D. João I.
Os bairros e os terrenos coutados, por se terem tornado covis de ladrões e assassinos, foram extintos na sua maioria e de tal modo que o criminoso só passou a achar refúgio em «terrenos sagrados» da Igreja ou Convento. Os crimes por especulação nos preços dos géneros essenciais à vida da população, começaram a ser julgados no reinado de El-Rei D. Pedro, no local do mercado público, na Ribeira das Naus (Tribunal do Juízo dos Almotacés). Os prevaricadores após pagamento de multa, eram expostos à "assoada" da multidão.
Quando as medidas de desenvolvimento, tomadas por D. Dinis, começaram a surtir efeito, o país foi assolado pela Peste Negra, no ano de 1348, pandemia que matou mais de um terço da população portuguesa, o que, obviamente, teve um vastíssimo leque de consequências, nomeadamente a fuga desenfreada de gentes dos campos para as cidades, com especial destaque para Lisboa, Porto e Évora.
Para melhor ilustrar esta migração, a nova muralha construída em Lisboa, entre 1373 e 1375, abrangia seis vezes mais do que a área amuralhada do século XII.
Nas cidades, o afluxo das pessoas deslocadas, para lá das carências do mercado de trabalho, originou um proletariado no desemprego, um
acréscimo na massa dos indigentes e, como consequência, um surto de marginais. Por todo o País circulavam bandos de terra em terra, designados «goliardos e goulães», mendigando, assaltando, roubando e matando.
Porque a falta de segurança era alarmante, particularmente nos aglomerados populacionais de maior dimensão, a situação agravava-se pela falta de iluminação à noite.
Por solicitação dos juízes, vereadores e homens bons da cidade de Lisboa, D. Fernando, pela Lei de 12 de Setembro de 1383, criou os quadrilheiros e nesta mesma lei determinou ainda que a cidade de Lisboa pas
sasse a ser iluminada.
(Curiosidade acerca da iluminação da cidade:

... Ainda no tocante à iluminação, para além dos interiores, há que considerar também o espaço público, que cedo preocupou as autoridades. Não só por ocasião de acontecimentos festivos, como nascimentos e casamentos de príncipes e princesas, e recepções régias, em que todos eram convidados a colocar «luminárias» nas janelas. Havia o lado mais «negro» do mundo do crime a coberto da escuridão da noite. Nas cidades, os únicos «luzeiros» eram as lamparinas que faziam crepitar a sua luz em nichos e oratórios de santos e cruzeiros dispersos pelo tecido humano. O caso de Lisboa é o melhor conhecido. Até ao fim do século XVIII, circular com alguma segurança durante a noite só em grupo e com archotes acesos. Remonta a D. Fernando a preocupação de difundir candeias pela cidade. Por carta de 12 de Setembro de 1383 determinou que nas ruas estivessem acesas durante toda a noite, cometendo a responsabilidade aos «homens bons» de cada freguesia. A sua morte neste mesmo ano fez gorar a medida. Segue-se um largo silêncio oficial, só quebrado em 1689 com o decreto de D. Pedro II, em que solicitava ao Senado da Câmara parecer sobre o modo de se «alumiarem as ruas da cidade», à semelhança do que se fazia nas cortes estrangeiras. Os exemplos inspiradores eram Paris a que se seguiu Londres).


«Quadrilheiro» (séculos XIV a XVII)

Os quadrilheiros vestiam saltimbarca «vestidura larga com aberturas laterais», sapatos, calção, meias e um sombreiro; usavam uma lança de 18 palmos, assim como uma vara com dimensão nunca inferior a 9 palmos, nem superior a 18, pintada, inicialmente de verde com as armas reais.
Eram nomeados pelos juízes e vereadores e ficavam subordinados à Câmara, tendo-se iniciado aqui uma espécie de polícia municipal. O te
mpo de desempenho de funções era de três em três anos e em termos de organização agrupavam-se, pelas ruas da cidade, em pequenos grupos de quatro, denominado quadrilha, a fim de impedirem quaisquer actividades perturbadoras da ordem pública, nomeadamente de assaltos, furtos, crimes de qualquer outra natureza, movimentação de suspeitos e vadios. Segundo alguns historiadores, o número de quadrilheiros chegou a atingir o número 115, distribuídos pelas 23 freguesias da capital do reino.
Foi o quadrilheiro que marcou o começo da manutenç
ão da ordem pública, o qual tem seguido um caminho de constante evolução que teve e terá continuidade, por certo, no futuro.
Em 1460, com o intuito de tornar as funções dos quadrilheiros mais atractivas, D. Afonso V dispensou-os de contribuírem com armas e bestas para a defesa do reino enquanto estivessem no desempenho desta actividade.
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Foto que tirei no Bar de Oficiais do Comando Metropolitano da PSP de Lisboa
(Beberete de Aniversariantes «prova de vida» - 14-04-2010
)

É bem visível, na parede do bar, de um painel de azulejos alusivo:
Aos Uniformes Policiais Antigos:
  1. Quadrilheiro séc. XIV - XVII
  2. Guarda Real da Polícia - Cavalaria 1808
  3. Guarda Municipal de Polícia - Infantaria - 1834
  4. Polícia Cívica - 1898 (Gala)
  5. Sinaleiro - 1942-1948
  6. Gala 1959.
À Estância LXXII, Canto VII, de «Os Lusíadas" - Luís de Camões":

"E, se esta informação não for inteira
Tanto quanto convém, deles pretende
Informar-te, que é gente verdadeira,
A quem mais falsidade enoja e ofende.
Vai ver-lhe a frota, as armas e a maneira
Do fundido metal que tudo rende,
E folgarás de veres a polícia
Portuguesa, na paz e na milícia".

Nota: Nas anotações da Obra «Os Lusíadas», Polícia = civilização.


«Polícia», a palavra que na sua origem grega (Polis) significava «cidade», mas também a da segurança desta. Foi usada pelos clássicos da nossa língua no sentido de «civilização, cultura de costumes». Camões (ainda no Canto X - Estância 92 ... «Vês Europa Cristã, mais alta e clara; Que as outras em polícia e fortaleza ...»), e mais tarde Herculano, usaram-na com esse sentido (e Alexandre Herculano, História de Portugal, I, Pag. 32 e VII, pág. 325). Leis e regulamentos de polícia vêm sendo, desde longa data, as disposições destinadas a garantir a ordem e a segurança públicas; «a polícia» é a instituição que assegura a ordem social e «o polícia» é o seu instrumento.

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Compilação de Leis

As Ordenações Afonsinas estavam divididas em cinco livros e, cada um dos livros, continha um certo número de títulos, com rubricas que indicavam os assuntos. Todos os livros se apresentavam precedidos de um preâmbulo, narrando-se, no primeiro de todos, a história da própria compilação iniciada por vonta
de de D. João I. Dada a época em que se procedeu à compilação a obra era notável, mesmo comparada com outras europeias do seu tempo, e tinha uma importância determinante na história do Direito português.
(Lei das Sesmarias «Ano de 1375» - Determina que os vadios ociosos e falsos religiosos que sejam filhos ou netos de lavradores sejam constrangidos a trabalhar a terra. Quem o não fizer será açoitado e obrigado ao trabalho. É permitido aos fracos, velhos e doentes que peçam esmola. Para fazer cumprir a Lei ordena que em cada «huma Cidade ou Villa de cada huma comarca, e província das Correiçooes, sejam postos dous homees boõs dos melhores cidadaãos» com autoridade para investigar e mandar executar a Lei - Fernão Lopes, Crónica de D. Fernando).
Esta Ordenações (Afonsinas) prevêem as penas contra os crimes de heresia e feitiçaria, mas não se ocuparam nunca especialment
e dos judeus ou dos infiéis, contra os quais se viriam a estabelecer as Inquisições modernas em Espanha e Portugal. Este tribunal foi criado pelo papa Inocêncio III (1198-1216), o qual passou de França a Itália, Alemanha, Espanha e Portugal. No séc. XVII, inicia-se a decadência da instituição, que se acentuou no séc. XVIII. O primeiro regimento do Tribunal do Santo Ofício entrou em vigor apenas em 1552. Não está feita a investigação histórica final sobre os processos existentes na Torre do Tombo, embora cálculos efectuados por vários historiadores apontem para mais de de 30 000 processados pela Inquisição e para cima de 1 500 condenados à morte. Em Portugal, a Inquisição só viria a ser extinta por uma resolução da Assembleia Constituinte resultante da Revolução de 1820, em 31 de Março de 1821. Em termos de funcionamento, o Conselho-Geral deste tribunal, presidido pelo Inquisidor-Geral, era constituído por: Inquisidores; Deputados; Promotores; Notários; Teólogos; Revisores de livros; Comissários; Procuradores dos presos; Visitadores; Alcaides dos cárceres e Meirinhos. Cada tribunal tinha na sua dependência uma cadeia, que se dividia em cárcere secreto ou de investigação e cárcere de penitência ou de cumprimento de pena. A inquisição estendeu ainda os seus tentáculos à Índia e ao Brasil.
(Abolição da Pena de Morte:
Portugal foi o primeiro país do mundo a abolir a pena de morte através do Acto Adicional de 1852 à Carta Constitucional de 1826, no reinado da rainha D. Maria II. Todavia, no Livro de Recordes - o Ghinness, a pena capital foi abolida de facto pela primeira vez em 1798 no Liechtenstein.
A Constituição da República Portuguesa de 1976 estabelece no artº. 21º. que «a vida humana é inviolável e em caso algum haverá pena de morte».

Escravatura no Ultramar:
Decreto de Abolição da Escravatura no Ultramar, in Diário do Governo, Anno de 1858 - Lisboa, Biblioteca da Sociedade de Geografia - . Portugal tornou-se num dos pioneiros da abolição da escravatura. D. Pedro V, particularmente sensível à situação, fez promulgar Lei nesse sentido. D. Luís, seu irmão e sucessor, manda publicar no Diário do Governo, de 27 de Fevereiro de 1869, o seguinte decret
o: «Fica abolido o estado de escravidão em todos os territórios da monarquia portuguesa desde o dia da publicação do presente Decreto. Todos os indivíduos dos dois sexos, sem excepção alguma, que no mencionado dia se acharem na condição de escravos passarão à de libertos e gozarão de todos os direitos e ficarão sujeitos a todos os deveres concedidos e impostos pelo Decreto de 19 de Dezembro de 1854».
No dizer dos biógrafos, D. Pedro V: »tinha um temperamento observador, grave, desde criança (...) mandou pôr à porta do seu palácio uma caixa verde, cuja chave guardava, para que o seu povo pudesse falar-lhe com franqueza, queixar-se (...) O povo começava a amar a bondade e a justiça de um rei tão triste (...)» - Livro: Reis e Rainhas de Portugal)
.

As Ordenações Manuelinas, também cinco livros, só vieram a ser publicadas em 1514. Inserem-se muitos novos preceitos, alguns contidos em leis que haviam saído após a publicação das Afonsinas, além disso, o estilo é mais depurado e a leitura mais acessível.
(Alvará de 2 de Junho «Ano de 1570», dado em Lisboa. Ordena aos juízes do crime que façam o recenseamento de todos os ociosos e vadios, homens e mulheres, nos seus bairros. Qualquer homem que não tenha forma de vida deve procurar trabalho no espaço de 20 dias, findos os quais será preso e condenado a açoites públicos. Se for gente de boa condição deverá ser deg
redado por um ano - Livro dos Reis, Arquivo da Câmara Municipal de Lisboa).
O século XVI é uma época de glória para Portugal que era, com a Espanha, a maior potência marítima dum mundo dividido em dois pelo tratado de Tordesilhas, em 1494, firmado com o auxílio do papa, que servira de medianeiro.
Infelizmente muitas das conquistas da Renascença não puderam encontrar em Portugal o mesmo desenvolvimento que noutros países da Europa, devido à ocupação espanhola, que se seguiu à morte de D. Sebastião, em 1578, durante a batalha de Alcácer Quibir. Este acontecimento mergulha o país num
a crise grave que dura perto de cem anos. A independência, retomada em 1640 com a dinastia dos Bragança, não é verdadeiramente arrancada à Espanha senão depois do tratado de paz de 1668, assinado ao cabo de longas hostilidades.

As Ordenações Filipinas são uma compilação jurídica feita durante o domínio castelhano e inspirada nas Manuelinas. Foram publicadas em 1603, e, em 1643, D. João IV revalidou-as, as quais vigoraram em Portugal até ao Código Civil de 1867, e no Brasil até ao Código Civil de 1917.
(Lei de 5 de Junho e Ordenações Filipinas - Título 69 «Ano de 1595» - Proíbe-se a entrada de ciganos no Reino; se entrassem, seriam presos e açoitados com baraço e pregão seguida de expulsão dentro de um certo prazo. Se teimassem entrar no Reino seriam novamente açoitados e todos os seus bens móveis seriam confiscados. Os ciganos portugueses que acompanhassem os ciganos estrangeiros seriam açoitados e degredados para África por dois anos).
(Alvará de Lei de 20 de Setembro de 1760. Determina que os filhos dos ciganos sejam judicialmente entregues a mestres para aprenderem ofícios; aos ciganos adultos manda que assentem praça como soldados ou se obriguem a trabalhar em obras públicas. Estipula ainda que não vivam todos juntos em bairros separados e que sejam proibidos de usar armas. As mulheres terão de trabalhar. O não cumprimento do estipulado implica as penas de degredo para toda a vida para S. Tomé ou Príncipe sem apelação nem agravo).
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À semelhança do que acontecia em Lisboa, também as autoridades das cidades de província se preocupavam com a segurança e ordem pública.
No Porto havia quadrilheiros que, com vinte homens, moradores dos bairros, serviam em quadrilha.
Documentação
No Arquivo Distrital da cidade de Setúbal, existem livros de vereações, que haviam pertencido à Câmara de Alcochete, datados do século XVI, onde há abundante referência aos quadrilheiros.
Exemplo de um termo de quadrilheiro:

«Termo de quadrelheyro para servir o samouquo a pº (Pedro) dias barq (Barqueiro)
E logo na dita vereação (13 de Abril de 1580) pellos ditos oficiaes foy (aí) eleyto pa servir de quadrelheyro pa servir três annos no lugar de Samouquo e lhe seria dada a vara de quadrelheyro a pº (Pedro) dias barqro mor (morador) no dito lugar do samouquo e diso se faça termo no livro da quadrylha do juramto (juramento) que lhe foi dado asinado por elle. E p (por) aqui ouverão a dita Varão (Vereação) por acabada e asinarão e tomarão (?) prª escriyvão da câmara q ho escrevy e amtrilinhey/annos o que fiz por verdade?»
.......Além de termos de posse de quadrilheiros havia também em Alcochete, em 1586, alcaides das varas, guardas-mores e mamposteiros.

Em 1613 havia em Setúbal oitenta quadrilheiros, que eram divididos por bairros e cada quadrilheiro tinha a sua quadrilha de vinte homens (Livro de Vereações 348, 349 e 350 do Arquivo de Vereações do Arquivo da Câmara Municipal de Setúbal).
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Em Portugal, desde o início da nacionalidade, para além dos inúmeros documentos, registaram-se também diversos factos que demonstram a Justiça como razão de ser e, consequentemente, como fim do poder. Um dos mais significativos, talvez tivesse sido o facto de D. Sancho II ter sido privado do governo pelo Papa, com o pretexto de que não fazia justiça.
D. Dinis mostrou uma grande preocupação em ligar a sua administração à justiça. Com efeito, mandou o Lavrador notificar «todolos Alcaides, e Comendadores, e Meirinhos, e Alvaziis, e juízes e justiças» do reino sobre as suas obrigações na matéria. «Eu sou certo, que vos nom fazedes justiça, assi como devedes», diz o monarca, aconselhando-os a procederem de outro modo, sob graves penas:
"cá bem erede, que aquel que, Eu souber de vós que a non faz (justiça), nem na cumpre, assi como deve, que Eu o matarei por ende, ou lhe farei dar aquella pena mesma, que ouvesse receber aquel, em quen e isto porque, «pero esto faz a mim Deos Rei para fazer justiça, e pero fazela em todo meu Reino: de guisa que cada uum aja aquelle, que deve aaver: e Eu pêra esta vos meto em meu llogar para fazerdes Justiça e pera cumprila».
«Palavras de D. Dinis, citadas por Martim de Albuquerque e Ruy de Albuquerque, ob. cit. p. 325 - Do Livro da E.S.P. - Subsídios para a História da Polícia Portuguesa»".
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Mas o crime não reconhece barreiras, pelo que, em meados do séc. XVII é decretada a proibição do uso de armas carregadas (depois do toque das Avé-Marias) dentro das cidades e vilas, «pela muita devassidão que nelas havia», estendendo-se pouco tempo depois às bengaladas de estoque, punhais e facas. Em 1688, a proibição alarga-se às simples bengaladas e às cabeleiras postiças, estas últimas consideradas artifício indigno dos homens, tanto mais que, serviam para os marginais não serem facilmente reconhecidos.

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A gesta expansionista trouxe muitas alterações à sociedade, particularmente nos reinados de D. Manuel I e de D. João III e o primeiro volume das Ordenações Manuelinas dedica o título LIV aos quadrilheiros. Subentende-se que os considerandos normativos constituintes tenham subjacente o desejo de uniformizar a organização desta força de segurança nas localidades onde já existia, assim como um desiderato de natureza prospectiva, isto é, pretende tornar extensível esta instituição às várias cidades e vilas do reino onde ainda não estava implantada.
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A participação de Portugal na Guerra da Sucessão de Espanha fez concentrar os esforços no envolvimento bélico no país. A delinquência aumentou em Lisboa e, alguns documentos da época referem que todas as noites se cometem tantas mortes e roubos, que, pelo hábito, já parecia que matar era cortesia e furtar modéstia».
Devido ao facto das instituições policiais denotarem grande fragilidade emergente também do Terramoto de 1755 (... milhares de pessoas ficaram de imediato sob os escombros, enquanto as chamas devoravam edifícios e impediam os - parcos - socorros. Quando chegou a noite vieram com ela os criminosos soltos das prisões, aumentaram o pavor, aproveitando o sinistro para matar e roubar), que espalhara o caos e a desordem, o poder central agravava os problemas em vez de os resolver. As forças de policiamento revelavam uma enorme falta de eficácia na manutenção da ordem e tranquilidade públicas. Era urgente e necessário pôr cobro a esta situação.
O rei D. João V apercebendo-se da falta de quadrilheiros e da falta de segurança na capital, determinou que houvesse tantos quadrilheiros de bairro conforme as necessidades.
Deve acrescentar-se que foi o Marquês de Pombal que reformou o Corpo de Quadrilheiros, passando este a designar-se por
Polícia da Corte e do Reino, tendo sido a partir desta altura, que o termo "Polícia" começou a ser utilizado.
A época pombalina caracterizou-se por uma reforma exemplar, no âmbito da administração policial, a partir de 1760, ano em que Inácio Ferreira Souto foi nomeado 1º Intendente da Polícia da Corte e do Reino. Porém, em 1753, a polícia teve uma acção excelente, na captura de um bando de 23 malfeitores, chamada «Companhia do Olho Vivo».
Entretanto Pina Manique é nomeado por D. Maria I, Intendente Geral da Polícia da Corte e do Reino que, em 1801 cria a
Guarda Real de Polícia, corpo militarizado e a cavalo e com um efectivo de 632 homens.



Foto de Diogo Inácio de Pina Manique e respectivo Brasão de Armas
(Museu da Cidade - Câmara Municipal de Lisboa)


Segundo «António Ferrão, a 1ª Invasão Francesa, Coimbra 1923», Pina Manique foi em Portugal não só no tempo da Intendência da Polícia, como em toda a duração das nossas Instituições Policiais, seja qual for a época e a designação destas, o dirigente mais notável de tão complexo e delicado ramo de serviços (do Livro da E.S.P. - Subsídios para a História da Polícia Portuguesa).



Organograma da Intendência-Geral da Polícia

(... clicar 2 vezes sobre a imagem para obter o efeito do zoom)

A experiência operada noutros países da Europa onde se haviam separado as jurisdições, com a consequente melhoria da paz e do sossego público, aconselhava-se a adopção de igual reforma no País. Com este objectivo se publicou o Alvará de Junho de 1760 que introduziu profunda alteração no sistema então em vigor e criou o lugar de Intendente-Geral da Polícia da Corte e do Reino.
A Lei concedida ao Intendente-Geral ampla e ilimitada jurisdição em matéria de Polícia sobre todos os magistrados.
O rei (D. José I) atribuiu ao Intendente a categoria de ministro com graduação, autoridade, prerrogativas e privilégios de que gozavam os desembargadores do Paço e incluiu-o no seu Conselho.

(do Livro da E. S. P. - Subsídios para a História da Polícia Portuguesa).
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Afinal a memória dos homens não é assim tão curta!
Hoje, dia 27 de Março de 2010, o Jornal Correio da Manhã, publicou em «Curiosidades do dia», o seguinte:
"1781 - O Intendente-Geral Pina Manique impõe a obrigatoriedade da inspecção sanitária a casas de prostituição".
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Comentário em anexo

Custódio disse...
"Acho excelente a sua abordagem sobre "Polícia, o Passado e o Futuro".
O ser humano evoluiu de modo a conseguir viver em sociedade, mas, não ao ponto de viver em perfeita harmonia com a mesma. Por esta razão, a introdução de leis foi uma forma natural das civilizações evoluírem e sobreviverem ao longo dos tempos. Naturalmente, acabou por serem criadas forças que protegessem e fizessem cumprir as leis. Estas forças iriam evoluir e acompanhar as civilizações até aos dias de hoje. Como tal, a Polícia foi necessária no passado, é no presente e não tenho dúvida que também o será no futuro.
Parabéns pelo trabalho".
12 de Abril de 2010 11:10
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Caro Internauta, Senhor Custódio
Interessantíssimo!
Este sistema de inclusão de comentários permite-nos fazer uma apreciação crítica (construtiva) sobre o trabalho levado a efeito em relação ao tema desenvolvido.
Adiantarei:
Em Portugal, onde as leis mais antigas que se conhecem datam de 1211, no reinado de D. Afonso II, só vieram a ser promulgadas as primeiras leis de polícia urbana em 1383, no reinado de D. Fernando I
Vinha-se esboçando, assim, uma tendência geral, desde as antigas civilizações, para coordenar a perseguição às várias formas do crime, quer regulamentando em atenção à segurança de pessoas e bens, quer tomando medidas conducentes à repressão dos agentes infractores de polícia e penais.
Direi mais: A polícia não é a administração mas constitui o seu tecido fundamental e não há administração possível sem polícia. Contudo, ela não constitui um fim em si mesma; aparece, somente, como um meio de realização dos objectivos que o cidadão lhe impõe - manter a ordem e tranquilidade públicas - . O Estado, fixa-lhe os justos limites de acção através da lei e de outras normas legislativas reservando-lhe, todavia, o benefício do direito de iniciativa, no que respeita aos métodos de acção, no campo táctico e que respeita à escolha dos meios julgados necessários para o cumprimento da sua missão.
Direi ainda que, é obrigação do polícia cumprir os deveres que a lei lhe impõe protegendo os seus concidadãos e a colectividade contra a violência, as depravações, e outros actos prejudiciais previstos na lei.

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2º. Comentário a este Post

Faustino Matias disse...

"Meu caro amigo Horta
Por incrível que pareça, só agora me foi possível analisar e comentar o seu trabalho que acho muito bem conseguido. Direi esplêndido.
Ainda bem que vão aparecendo pessoas com excelentes capacidades de pesquisa, como é o seu caso e se predispõem a transmitir aos outros. Este seu gesto, faz-me renascer uma ideia que trago comigo há já muito tempo e que transmiti ao Sr. Presidente da ANAP, Vitorino Baroso, para a criação de uma revista publicada trimestralmente pela Associação de Aposentados da Polícia. O que diz desta ideia? Era uma forma dos seus blogues e mais trabalhos de outros poderem ser lidos e analisados por mais interessados.
Reportando-me mais directamente ao seu trabalho, digo-lhe que gostei imenso. A Corporação de Polícia foi sempre ao longo dos tempos de grande interesse público e muito respeitada como o Sr. Horta muito bem descreve; ultimamente tem vindo a perder esta mais valia, o que eu lamento. Não sei se é também a sua opinião.
Termino dando-lhe os parabéns por este belíssimo trabalho e fico esperando pelo próximo.
Um abraço
José António Faustino Matias"

7 de Maio de 2010 10:07

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Caro amigo Faustino Matias
Obrigado por ter participado, mais uma vez, na feitura deste blogue, deixando o seu interessante comentário e também por me ter parabenizado pelo trabalho desenvolvido.
Posto isto, direi que não só CONCORDO com a sua sugestão, como lhe peço para interceder junto do Senhor Presidente da Direcção Nacional de Aposentados da PSP (ANAP) e o lembre da necessidade de criação de um órgão informativo de um Guia, Boletim ou Revista aglutinador que desempenhe realmente o papel de mensageiro, por excelência, de que nos podemos servir para comunicar com os nossos companheiros e veicular para o público externo (...) os nossos desejos, os nossos anseios, aquilo que fazemos e o que pretendemos fazer.
Um Guia aberto a todos os aposentados que nele queiram construtivamente colaborar, nos quais me incluo e disponibilizo não obstante não ter preparação jornalística (Para quem não tenha formação específica nessa área, o seu amadorismo será compensado com grande entrega e generosidade).
Dou o mote!...
GUIA DO APOSENTADO DA PSP (ou da ANAP)
Director - actual Presidente da DN da ANAP;
Chefe de Redacção e Consultor Técnico (residentes na zona centro do País - Coimbra);
Colaboradores - Todos aqueles que o pretendam fazer (Se no meu Blogue existir algum post ou dado de reconhecido interesse ou mereça ser publicado, está ao inteiro dispor!).
Da quantidade e da qualidade dos artigos e trabalhos atinentes da área de interesse dependerá a importância social do Guia.
Todos, pois, ao trabalho para que não falte matéria aos primeiro e seguintes números (Semestrais?). Este é o apelo a todos os de boa vontade.
Vamos tentar obter uma resposta à sua iniciativa no dia 29Mai - Montes Claros-Monsanto, dia do Almoço de Confraternização Anual de Oficiais de Polícia, ou o mais tardar, no Beberete que terá lugar no mês de Junho no Comando Metropolitano da PSP de Lisboa.
Até lá!
Um Abraço
MVHorta

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2 comentários:

custodio disse...

Acho excelente a sua abordagem sobre “Policía, o Passado e o Futuro.”
O ser humano evoluiu de modo a conseguir viver em sociedade, mas, não ao ponto de viver em perfeita armonia com a mesma. Por esta razão, a introdução de leis foi uma forma natural das civilizações evoluirem e sobreviverem ao longo dos tempos. Naturalmente, acabou por serem criadas forças que protegessem e fizessem cumprir as leis. Estas forças iriam evoluir e acompanhar as civilizações até aos dias de hoje. Como tal, a Policia foi necessária no passado, é no presente e não tenho dúvida que também o será no futuro.
Parabens pelo trabalho.

faustinomatias disse...

Meu caro amigo Horta.
Por incrível que pareça,só agora me foi possível analizar e comentar o seu trabalho que acho muito bem conseguido pelo que as minhas desculpas. Direi até espêndido.
Ainda bem que ainda vão aparecendo pessoas com excelentes capacidades de pesquisa, como é o seu caso e se predispoem a transmitir aos outros. Este seu gesto, faz-me renascer uma ideia que trago comigo há já muito tempo e que transmiti ao Sr Presidente da ANAP Vitorino Baroso para a criação de uma revista publicada trimestralmente pela Associação dos Aposentados de Polícia. O que diz desta ideia? Era uma forma dos seus blogues e mais trabalhos de outros poderem ser lidos e analisados por mais intertessados.Reportando-me mais directamente ao seu trabalho, digo-lhe que gostei imenso. A Corporação de Polícia foi sempre ao longo dos tempos de grande interesse público e muito respeitada como o Sr Horta muito bem descreve, ultimamente tem vindo a perder esta mais valia, o que eu lamento. Não sei se é também a sua opinião.
Termino dando-lhe os parabens por este belíssimo trabalho e fico esperando pelo próximo.
Um Abraço.
José António Faustino Matias